Estigma & Star Trek
Há alguns dias estive envolvido em um debate sobre poligamia e algo veio à tona: o estigma.
Estigma é uma palavra pouco usada, pode ser visto como um eufemismo, mas possui uma definição única, apesar da proximidade entre estigma e preconceito, um intensifica o outro. Estigma é o desdém, uma desaprovação que muitas vezes leva a atitudes discriminatórias.
Mas qual a ligação disso com a poligamia? Bem, a relação amorosa entre vários parceiros é um assunto que anda me perseguindo.
Durante o caloroso debate que tive, o amor entre pessoas poligâmicas foi questionado, como se amar mais de uma pessoa fosse algo de outro mundo. Talvez no próximo contexto que a poligamia me perseguiu, até seja: Star Trek: Enterprise, "Estigma" S02Ep14.
Os Denobulanos, Dr. Phlox com Feezal Phlox, uma de suas três esposas que também possui outros maridos, uma raça de humanóides poligâmicos.
- Jornada nas Estrelas é famosa por trazer questões políticas e sociais, permitindo o desenvolvimento de perspectivas mais abrangentes quando se aproveita do cenário fictício de encontros entre a humanidade e culturas de diferentes espécies.
Feezal, mesmo casada, admite sem nenhum pudor sua atração pelo comandante Trip, que não consegue lidar com esse fato. Apesar disso, ela nutre amor por aqueles com quem é casada e por sua família.
Voltando ao debate, durante a troca de farpas, minha querida amiga justificou a opinião sobre a suposta ausência de amor dentro duma união poligâmica, cometendo o erro que insistimos em perpetuar: tratar uma experiência subjetiva como parâmetro universal, nesse contexto; utilizando o próprio conceito de amor e suas experiências dentro da monogamia.
Sendo exatamente o erro para se evitar ao estar em contato com outras formas de ser e sentir.
Há séculos utilizamos dos mesmos artifícios para justificar nossos conceitos pré-estabelecidos. Somos capazes de "minimizar" tomando uma posição mais "pacífica" e de suposta inclusão só para velar, quando é observado e dito; “tudo bem, posso tolerar, mas não venha me dizer que isso é normal.”
A incrível rapidez com que ela reduziu o amor a métricas meramente quantitativas, já que numa relação não-monogâmica "alguém sempre vai se doar mais ou receber mais que o outro", como o amor é uma abstração, vai estar sujeito a contextos e introspecção.
O fracasso não é uma característica inerente à poligamia, nossas relações podem falhar por sermos humanos, nenhum nível de afetividade está isento disso, quaisquer que sejam os tipos.
No decorrer do episódio é mostrado que T’pol também é vítima do estigma, nesse caso, sobre uma doença mental que traça paralelo com ISTs.
A personagem é tratada quase que com desconfiança sobre sua lealdade pelos membros da própria espécie.
Relações que não passam pelo crivo da normalidade também são tratadas com desconfiança.
A homossexualidade muitas vezes é vista como apenas mais uma forma de conseguir prazer, deslegitimando a integridade do amor dentro de uma relação homoafetiva, o mesmo acontece na poligamia.
(Archer com Phlox em “Uma noite na Enfermaria", S02Ep05).
Sejamos mais como o Capitão, que ao perceber a complexidade das relações amorosas do colega, pede desculpas por chamá-lo de insensível.
Para fins filosóficos, Star Trek pode colocar outros seres como representantes da pluralidade, mas a verdade nua e crua é que nada disso é coisa de outro mundo.